O que muda com a revogação das resoluções CONAMA?

No dia 28 de setembro de 2020, o Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA aprovou a revogação das Resoluções nº 303, 302 e 284, que dispunham, respectivamente, sobre os parâmetros, definições e limites das APPs, inclusive de reservatórios artificiais, e sobre o licenciamento de empreendimentos de irrigação, durante a realização da 135ª reunião, que teve votação em regime de urgência.

Sem a realização de audiências públicas ou apresentação de estudos técnicos, a revogação ocorre sob o pretexto de que as normas se tornaram incompatíveis com a legislação vigente. A medida, entretanto, gerou grande repercussão, pois poderá acarretar impactos significativos ao meio ambiente.

Nesta semana, deputados de diversos partidos protocolaram proposta de projeto legislativo para sustar a Resolução nº 500, medida que se soma a diversas ações propostas na Justiça que objetivam suspender os efeitos da reunião.

Quais são, portanto, os fundamentos que justificariam a revogação das normas, ou sua manutenção?

De acordo com a Política Nacional do Meio Ambiente, Lei nº 6.938, de 1981, o CONAMA tem natureza jurídica de órgão consultivo e deliberativo, com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais, bem como deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida.

Dentre suas competências, está o estabelecimento, mediante proposta do IBAMA, de normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo IBAMA.

Muito se discute se as normas editadas pelo CONAMA têm força de lei, para se sobrepor aos atuais dispositivos legais que regem as matérias, como as leis conhecidas como Código Florestal e Lei da Mata Atlântica, por exemplo. Na prática, as normas editadas pelo CONAMA preenchem lacunas normativas e criam padrões técnicos para a aplicação da lei ambiental.

No caso em concreto, entende-se que algumas áreas poderão ficar desprotegidas somente pela aplicação da lei. Este é o principal embate relacionado à Resolução CONAMA nº 303. Publicada em 2002, na vigência do “antigo” Código Florestal, a norma estabelecia parâmetros, definições e limites referentes às APPs, complementando as disposições da Lei nº 4.771, de 1965.

Especificamente em relação às áreas de restinga e manguezais, dispunha:

Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:

IX – nas restingas:

  1. a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima;
  2. b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues;

X – em manguezal, em toda a sua extensão; 

As Leis nº 11.428, de 2006 (Bioma Mata Atlântica) e nº 12.651, de 2012 (Código Florestal) determinam que tais áreas estão sujeitas a proteção, mas não especificam quais os limites (como ocorre, por exemplo, com APPs de cursos d’água, onde são fixadas faixas de proteção em metros). Neste caso, as restingas são consideradas APPs, desde que atuem como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues, ou, ainda, quando declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo.

A respeito dos manguezais, abre-se a possibilidade do desenvolvimento de atividades de carcinicultura (criação de camarão em viveiros), o que poderá criar tanto impactos positivos na economia, quanto negativos ao meio ambiente. Caberá aos estados, neste contexto, regular o assunto, dentro de seus limites de competência estabelecidos na Constituição Federal e de acordo com as peculiaridades regionais.

No entanto, se tais critérios ficarem, unicamente, sob o crivo dos entes federativos, abre-se possibilidade para embates ambientais-fiscais, com possível relaxamento da proteção ambiental em detrimento da geração de renda e empregos.

No tocante à Resolução nº 302, a norma tinha por objetivo estabelecer parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente, aplicáveis a reservatórios artificiais e o regime de uso de seus entornos.

Sob principal pretexto de que os limites das APPs são, atualmente, estabelecidos na Lei nº 12.651, de 2012, a revogação pode afetar os usos no entorno de represas destinadas ao abastecimento, como a Cantareira, situada no município de São Paulo.

Ao determinar como APP a faixa mínima de 30 metros ao redor dos reservatórios, a Resolução restringia a exploração de tais áreas para habitação e usos econômicos, de forma a assegurar a preservação e qualidade da água:

Resolução CONAMA nº 302
Reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas 30m
Reservatórios artificiais situados em áreas rurais 100m
Reservatórios artificiais de geração de energia elétrica com até dez hectares 15m
Reservatórios artificiais não utilizados em abastecimento público ou geração de energia elétrica, com até vinte hectares de superfície e localizados em área rural 15m

Com a revogação, passam a valer somente os critérios do Código Florestal:

Lei nº 12.651, de 2012
Reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais Faixa definida na licença ambiental do empreendimento
Reservatórios artificiais de água que não decorram de barramento ou represamento de cursos d’água naturais Não exigida APP
Acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a 1 (um) hectare Não exigida APP
Na implantação de reservatório d’água artificial destinado a geração de energia ou abastecimento público Conforme estabelecido no licenciamento ambiental Área rural mínima de 30m
máxima de 100m
Área urbana mínima de 15m e máxima de 30m
Reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001 Distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum

Por fim, restou revogada a Resolução CONAMA 284/2001. De acordo com a norma, os empreendimentos de irrigação, compreendidos pelo conjunto de obras e atividades que o compõem, como reservatório e captação, adução e distribuição de água, drenagem, caminhos internos e a lavoura propriamente dita, bem como qualquer outra ação indispensável à obtenção do produto final do sistema de irrigação, sujeitavam-se ao licenciamento pelo órgão ambiental competente.

O consumo de recursos hídricos é parte essencial do exercício de tais atividades, cabendo aos órgãos gestores de recursos hídricos, nos limites de sua competência, administrar os usos e emitir as respectivas outorgas. A revogação da norma traz, portanto, impactos sobre o licenciamento ambiental dos empreendimentos, não os desonerando da necessidade de regularização das interferências em recursos hídricos, como captação de água, por exemplo.

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